Faz exatamente 1 ano que eu estava empacotando as caixas para entregar a sala do atelier. Meu celular me lembrou disso, e uma avalanche de emoções vieram à tona, sendo gatilho para que eu esteja aqui, escrevendo essa carta.
Assim como eu, a pandemia mudou o percurso de muitos planejamentos e sonhos profissionais. No meu caso, o atelier estava em seu melhor momento, e eu tinha chego exatamente onde eu queria estar. Com equipe interna formada, com clientes ativas, e com uma coleção de 70 produtos para lançar na feira de moda mais disputada do Brasil.
Para ter feito tudo isso, nossa jornada começou 1 ano antes, onde o atelier ganhou um novo formato, estava mais ativo, e ficou pequeno com as 5 pessoas que trabalhavam lá. E claro, meu nível de stress e ansiedade aumentaram muito, mais ficava feliz quando conseguia, nas minhas manhãs propostas por meditação e yoga, encontrar equilíbrio entre estar realizando um sonho profissional e também ter qualidade de vida.
Era como se fosse uma rodada de cassino, e eu colocando todas as minhas apostas ali. Porque essa é a vida de uma micro empreendedora que quer fazer do seu sonho o seu ganha pão, sem investidor anjo, sem crédito em banco, sem credibilidade pra pedir dinheiro emprestado pra alguém, só a força e a coragem pra investir suas economias de uma vida e vender o pouco que era possível para se capitalizar.
De repente, já seguindo o cronograma de marketing e feliz da vida com o novo que estava por vir, tivemos que fechar o comércio por conta da COVID-19. E o vírus não só chegou aqui, como ficou. Toda essa história eu nem preciso contar, porque estamos até hoje vivendo as incertezas e surpresas que essa pandemia (até agora) trouxe. E foi assim que um dia eu abri os olhos e simplesmente não tinha mais pra onde ir, tinha voltado pra casa e dessa vez não tinha home office, esse que eu vivi quase 3 anos antes de montar o Atelier.
Fiquei numa corrida louca de querer propor algo para as minhas clientes naquela ocasião tão incerta, mas me sentia hipócrita demais em querer vender algo quando o mundo estava perdendo milhares de vidas todos os dias.
Meu papel como Fernanda, ser humana, ficou tão vago que me sentia inútil, e também pressionada pela busca de achar um novo propósito no meio da escuridão. Decidi me fechar na minha bolha e mesmo fazendo vários projetos sociais através da marca, como o Bazar Beneficente pra LaraMara e o Projeto [re}começar, não havia mais nada para oferecer naquele momento. A FA fala de festas, alegrias, de memórias, o que estávamos vivendo era o oposto disso, não havia mais motivos para celebrar da maneira como conhecíamos até então.
Cogitei procurar um emprego, mas isso me tiraria o foco do meu sonho que foi (e é) tão trabalhoso. Decidi quebrar novamente o cofrinho pra fazer as contas de quanto precisava para viver, e encarei aquele momento como uma oportunidade de focar no meu lado pessoal. Afinal, desde adolescente eu já sabia o que eu queria. Sempre quis fazer Moda e isso sempre foi a minha vida, minha brincadeira de criança. Filha de pais que tinham uma confecção, minhas tardes depois da escola eram sempre na loja, embalando produtos, fazendo vitrine, ajudando no caixa. Minha carreira sempre foi minha prioridade. Tudo era o meu trabalho, e pra mim não tinha tempo ruim. Eu era aquela colaboradora que vestia a camisa da empresa, e já desde os 17 anos estava no mundo coorporativo, porque eu não queria depender dos meus pais. Para uma boa ariana como eu, independência em primeiro lugar!
Refleti sobre qual era o meu papel perante o mundo e sociedade. No começo fui atrás de algumas instituições, mas tudo estava diferente, todos estavam tentando se adequar ao novo formato. Então decidi fazer por mim mesma, e estava feliz de atingir, nem que fosse só uma pessoa. Não preciso ganhar o prêmio Nobel da Paz para ser relevante para as pessoas e pro mundo, porque é no pequeno, no dia a dia, no que está disponível pra você que as mudanças e impactos começam. E isso me levou a, desde plantar árvores na pracinha em frente de casa, a doar comida nos semáforos, e fazer pequenas ações dentro da minha comunidade.
Mas até então toda dor e perda tinha sido financeira e material, até que meu braço direito, meu amigo, companheiro que estava comigo desde o início da marca, veio a falecer. Não, não, foi de COVID. Infelizmente a tuberculose levou o grande profissional conhecido pelas clientes (que já tinham virado amigas), Javi.
O Javi foi a pessoa que acreditou no meu sonho desde o início. Nossa primeira reunião foi no segundo apartamento que morei aqui em SP onde o quarto de hóspedes era o meu home office. Ele foi muito bem recomendado por trabalhar para grandes marcas nacionais, e como ele tinha um atelier, ele produzia parte das roupas dos desfiles para o SPFW. Ele aprendeu tudo com seu tio alfaiate, e ele era aquele cara que não podia ser pressionado por tempos e prazos, porque o tempo era seu bem mais precioso. Ele se perdia ouvindo em seu fone, músicas clássicas enquanto modelava, cortava e costurava. Ele era poético e via verdadeiras obras de artes dos croquis ganhando vida em suas mãos. Ainda é muito difícil falar dele, e confesso que estou aqui debulhando em lágrimas enquanto digito, mas sei que depois de 1 ano sofrendo em silêncio, eu precisava falar dessa pessoa que é tão importante pra FA.
A nova coleção, aquela que descrevi no início da carta, segue aqui guardada a 7 chaves. Foi a última feita pelo Javi e por isso tem um peso ainda mais especial.
A marca nunca parou, seguimos atendendo nossas clientes e realizando sonhos em forma de vestidos e cada dia que passa tudo isso está fazendo ainda mais sentido. As pessoas querem voltar a celebrar, e não estão presas em desejos grandiosos, é o simples com poucas e as mais importantes pessoas, até porque o foco mudou, mais do que nunca queremos brindar a vida!
Hoje poderia ser um dia triste, e sem motivos pra comemorar. Mas mesmo diante de tudo, me sinto tão grata por estar aqui, por ter visto luz diante dos desafios, e por ter ainda mais a certeza de que sim, eu e todos nós temos um propósito de vida: VIVER! E as escolhas que você faz da sua vida, seja a carreira que vai seguir, ou o que você vai comer no almoço, é o que faz da vida algo tão mágica e extraordinária.
Voltei a atender as clientes em casa, da mesma forma que comecei há 6 anos atrás, e mesmo dando alguns passos pra trás, sei que o mais importante é seguir caminhando, SEMPRE.
Com carinho, Fê Ávila